Este é um tema de aplicação prática. Hamilton e Cullen, em Iowa em 1953, fizeram a primeira publicação sobre essa complicação e o interessante é que já mostraram uma forma de reverter: antagonizar o uso de opioides. É interessante também como a ética na pesquisa era questionável na época, pois eles deliberadamente usaram doses excessivas de opioides – o que era conhecidamente perigoso – para testar se antagonizar iria resolver... Abaixo a capa do artigo publicado no Anesthesiology, trecho da rigidez e uma foto de Iowa para descontrair.

 

Desde então, vários opioides além da morfina vem sendo associados à rigidez muscular. Inicialmente, fentanil, alfentanil, sufentanil e remifentanil. Posteriormente nenhum escapou, vieram relatos com metadona e até mesmo com tramadol (Anesthesiology. 2005 Jan;102(1):227-9.)!

Formas alternativas de tratamento chamaram a atenção com o tempo. Muitos perceberam que bloqueio neuromuscular resolve a situação, alguns que até mesmo doses priming ajudam, como o artigo abaixo:

A explicação, apesar de fazer sentido, poderia estar errada (isso é bem comum na medicina, assim como em todas as bobagens que lemos na internet..). Outro colega de Iowa, Franklin Scamman, colocou à prova a teoria em um experimento com pacientes com traqueostomia em um grupo e sem traqueostomia em outro. Veja que interessante o resumo do artigo:

Ele foi além disso e avaliou o impacto do fentanil e do N2O isoladamente na complacência, encontrando após 30mcg/kg apenas 10% na redução da complacência... que diminuiu mais intensamente após N2O, mas uns 35% no máximo:

Após levantar a teoria de que o problema estava acima da traqueia, Bennet praticamente determinou a fisiopatologia da dificuldade ventilatória após doses elevadas de opioide em 1997:

Bennet e seus colegas eram da Allegheny University of the Health Sciences, primeira faculdade de medicina privada a falir nos EUA. Abaixo uma foto da Philadelphia, Pensilvania, onde essa descoberta foi feita:

O trabalho de Bennet foi metodologicamente excelente, vale muito o tempo gasto lendo ele. A evidência do fechamento das cordas vocais como principal fator ficou muito forte após este trabalho. Veja abaixo uma imagem obtida por fibroscopia de um dos pacientes antes do opioide, após pico do opioide e depois do bloqueador, retirada deste mesmo artigo:

A partir de 1997 sabemos então que o fechamento das cordas vocais é um fator extremamente importante na fisiopatologia e já sabíamos desde 1983 que o fentanil isoladamente diminuía a complacência em até 10% após 30mcg/kg em pacientes com traqueostomia.

Depois de tudo isso, pergunto: por que a expressão “rigidez torácica induzida por opiodies” ainda é tão popular? Acredito que a expressão pode confundir anestesiologistas menos atentos.